Pablo Delgado4 minutos de lectura

Que impacto terá o novo cartão de crédito da Booking.com nos hotéis e no seu canal direto?

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A Booking continua sempre a mexer no tabuleiro, como sempre fez. Agora entra no mundo dos cartões de crédito nos Estados Unidos (in english), um terreno tão apetecível como competitivo. Para os hotéis não é apenas mais uma notícia: é um lembrete de que cada novo movimento da Booking procura ficar com mais clientes e mais quota. O que significa isto para o seu hotel? Até que ponto é uma ameaça?

mirai cartao credito booking

Só nos Estados Unidos por agora … e no resto do mundo?

A Booking tem muito mais quota na Europa e na América Latina … porque então começa nos Estados Unidos? A resposta está na cultura do crédito e, portanto, na adoção por parte do consumidor.

  EUA Europa LATAM/México
Utilização do crédito >75% dos adultos têm pelo menos 1 cartão; em média 3 por pessoa; segmentos mais altos até 7-8 cartões 20–30% em países como Espanha ou Itália Moderada, menor que nos EUA, maior que na Europa
Perceção social Ferramenta diária e aspiracional Risco, dívida, pouco habitual fora das viagens Aspiracional em segmentos médios e altos, risco noutros
Margens financeiras Muito altas (juros e comissões fortes) Muito mais baixas por regulação e concorrência Altas, embora mais baixas do que nos EUA
Vantagens para o titular além do crédito Fortes cashbacks, status em companhias aéreas ou hoteleiras e melhoria do rating de crédito Poucas. Milhas ou pontos. Milhas, pontos principalmente

Embora possa soar a novidade na Europa, a Booking não é pioneira nisto. Pelo contrário: entra num terreno muito competitivo. Companhias aéreas (American Airlines, Delta ou Iberia), cadeias hoteleiras (Hilton, Marriott), retalhistas como Walmart, tecnológicas como Apple ou Amazon, e até gasolineiras como Exxon ou Shell têm os seus próprios cartões. E todas competem por um segmento muito desejado: os viajantes frequentes, que são os mais rentáveis e os mais cobiçados. Por isso, embora o movimento da Booking seja inteligente, não tem o sucesso garantido, pelo menos a curto prazo: entra para disputar um campo onde outros já fidelizam clientes há décadas. Talvez num segmento mais generalista, não viajante frequente, consiga ganhar quota de mercado (já que não tem nenhum custo anual), mas mesmo aí competiria com os grandes bancos como o Bank of America ou o Chase e os seus rentáveis programas de cashbacks.

Chegará o cartão à Europa ou ao México?

Pouco provável a curto e médio prazo devido a:

  • Menor cultura de crédito.
  • Margens financeiras mais baixas, o que torna o negócio menos atrativo.
  • Escassa adoção de múltiplos cartões.

O mais realista, se algum dia chegar, seria sob a forma de um cartão de débito “plus”, com cashback limitado ou benefícios pontuais.

Os objetivos da Booking

O que procura a Booking com esta jogada? Várias frentes ao mesmo tempo:

  • Retirar quota à Expedia e aos canais diretos das grandes cadeias, especialmente no emissor norte-americano, normalmente o mais rentável.
  • Reforçar a proposta ao consumidor com mais vantagens e descontos, já que os titulares do cartão obtêm automaticamente o estatuto Nível 3 de Genius.
  • Diversificar receitas aproveitando as altas margens do crédito nos EUA, que lhe poderiam dar até 1% do consumo com estes cartões.
  • Branding e marketing num país onde o cartão é um ícone.
  • Competir com a Expedia pela liderança nos EUA.
  • Dados do cliente para além da viagem (hábitos de compra e consumo). Os dados, mais uma vez, como objetivo invisível mas de grande importância a longo prazo.

Que impacto pode ter nos hotéis se ele se consolidar?

Embora o sucesso do cartão não esteja garantido, vale a pena antecipar as suas consequências se este descolar:

  • Maior atratividade do canal OTA: para um cliente com o cartão, reservar na Booking será ainda mais interessante do que fazê-lo no seu site.
  • Mais dependência: quanto mais vantagens acumular na Booking, menos incentivos terá para o procurar diretamente.
  • Concorrência mais agressiva: se a Booking ganhar dinheiro adicional com o cartão, pode reinvesti-lo em descontos (resultando em disparidades) ou em mais força para marketing.
  • Impacto desigual por tipologia: os grandes grupos (Marriott, Hilton) têm programas próprios com os quais dificilmente competirão. Em contrapartida, pode ter impacto em hotéis independentes e pequenos grupos.
  • Mercados mais afetados: se recebe muitos clientes dos EUA, esta iniciativa poderá atingi-lo antes que a outros.

O que pode fazer o hoteleiro?

Não é fácil competir com a força financeira da Booking, mas o hotel tem algo que ela nunca terá: o controlo dos seus quartos (inventário e preço), bem como a capacidade de criar relações únicas com os seus clientes. E é aí que pode fazer a diferença:

  • Saia do Genius 2 ou 3 (in english): recorde que, com o cartão, a Booking já dá acesso direto ao Genius 3. Manter-se aí só enfraquece o seu canal direto. Se antes o Genius 2 ou 3 já era uma estratégia nada recomendável, agora é ainda menos.
  • Reforce o seu canal direto: ofereça melhores preços e condições do que na Booking, sobretudo em época alta, quando menos precisa dela.
  • Faça o cliente sentir-se especial: nem tudo é preço. O trato humano, a flexibilidade, um detalhe à chegada… isso não é dado por nenhum cartão.
  • Crie um programa de fidelização simples: não precisa de um como o “Marriott Bonvoy”. Basta uma recompensa clara e imediata: um desconto, melhor condição de pagamento ou cancelamento, um desconto no restaurante, bar, spa ou qualquer outra instalação que tenha.
  • Comunique melhor: muitos hotéis já oferecem vantagens em reservas diretas, mas não o comunicam com total clareza. Torne isso visível no seu site, emails e receção.
  • Ofereça benefícios locais que a Booking nunca poderá replicar: experiências, gastronomia, atividades no destino.

Conclusão

A Booking continuará a inventar novas iniciativas para crescer. A questão é: o que fará o hotel? Porque se não se mexer, outros fá-lo-ão por si, e acabarão por ficar com o seu cliente.

A boa notícia é que o futuro continua nas mãos dos hoteleiros que tomam decisões corajosas. Se apostar no seu canal direto, se souber comunicar as suas vantagens, se construir relações autênticas com os seus clientes, terá sempre a melhor posição, independentemente do que faça a Booking.