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A IA agêntica tem demonstrado um grande potencial em diversos contextos, desde redigir e-mails até gerir compras. O próximo grande passo parece ser o setor das viagens, onde a ideia de uma IA fazer reservas em nome do utilizador se apresenta tão promissora quanto disruptiva. No entanto, quando se trata de reservas de hotel, esta visão enfrenta obstáculos significativos, específicos deste setor, que poderão impedir que se torne num canal de distribuição.
De seguida, exploram-se as principais barreiras:
Preocupações com a privacidade
As reservas de hotel envolvem a utilização de dados pessoais sensíveis: nomes completos, endereços de e-mail, datas de viagem, identificadores de fidelização e dados de pagamento. Para que uma IA agêntica possa gerir todo o processo, necessita de processar e transmitir estas informações de forma segura. Onde são armazenados estes dados? Quem os controla? Em mercados fortemente regulados como a UE (GDPR) ou a Califórnia (CCPA), estas questões geram grande preocupação. Sem confiança e transparência, tanto os utilizadores como os fornecedores poderão mostrar-se reticentes.
Fricção no pagamento (especialmente na UE)
Leis como a PSD2 exigem autenticação de dois fatores (2FA) para pagamentos online. Como poderá uma IA agêntica completar uma reserva se o utilizador tiver de confirmar o pagamento a partir de um dispositivo? Sem uma solução fluída para gerir o 2FA, as reservas automatizadas poderão ficar bloqueadas na fase de pagamento. A Stripe já anunciou que pode ser integrada em “agentic workflows” e gerir o 2FA, permitindo que a IA orquestre o processo, mesmo que não o conclua de forma totalmente autónoma.
Falta de apoio por parte dos fornecedores
As principais cadeias hoteleiras e OTAs têm investido fortemente nos seus canais diretos e programas de fidelização. O seu objetivo é manter a relação direta com o cliente, não cedê-la a um intermediário controlado por IA. Do seu ponto de vista, uma IA agêntica poderá aumentar os custos, reduzir o controlo e afastar os clientes. Sem apoio por parte dos fornecedores – e sem uma procura clara por parte dos consumidores – este canal terá dificuldades em aumentar.
Quem se encarrega do serviço ao cliente?
O que acontece após a reserva? Se o cliente precisar de a cancelar ou modificar, deverá contactar a IA, o hotel ou a OTA? Esta falta de clareza gera confusão e desconfiança. Uma má experiência de atendimento poderá desencorajar o uso da IA em reservas futuras.
Complexidade das reservas hoteleiras
Reservar um hotel envolve muitas variáveis:
- Tipos e vistas de quarto
- Ocupação (adultos, crianças, bebés)
- Políticas de cancelamento e pagamento
- Planos de refeições e serviços incluídos
- Pacotes e restrições
- Extras
- “Resort ou destination fees” e taxas locais (cada região com a sua casuística)
Cada um destes elementos pode afetar o preço final e a experiência do hóspede. Será que uma IA agêntica consegue interpretar todos estes fatores e tomar decisões otimizadas? Os erros são dispendiosos e difíceis de resolver, o que gera frustração.
Integração de programas de fidelização
As grandes marcas utilizam os seus programas de fidelização para atrair e reter clientes. Integrá-los no processo de reservas gerido por IA é um desafio técnico e estratégico. Se a IA não estiver conectada diretamente com os sistemas de fidelização, os utilizadores poderão perder pontos, tarifas exclusivas ou benefícios por estatuto. Além disso, os fornecedores não têm incentivos para facilitar essa integração.
Ausência de um modelo de monetização claro
Como irão hotéis, OTAs e plataformas de IA partilhar as comissões ou receitas geradas pelas reservas efetuadas por agentes? Atualmente não existe um enquadramento comercial definido. Sem incentivos claros, os grandes players do setor manter-se-ão afastados.
Incerteza quanto à adoção por parte do consumidor
Mesmo que a IA agêntica seja tecnicamente capaz, confiarão os viajantes nela para reservar as suas estadias? As decisões relacionadas com hotéis costumam envolver preferências pessoais – localização, serviços, políticas – que muitas pessoas preferem analisar pessoalmente. Ceder esse controlo a uma IA pode gerar resistência.
Já vimos isto antes. Será diferente desta vez?
As reservas assistidas não são novidade. Plataformas como “Book on Google” ou “Instant Booking” do Tripadvisor tentaram simplificar o processo de reserva. No entanto, a adoção foi limitada: os fornecedores não colaboraram e os consumidores não confiavam ou não compreendiam totalmente estas funcionalidades. É possível que a história se repita.
Oportunidades “nicho”
Dito isto, a IA agêntica poderá ganhar terreno em segmentos específicos como viagens corporativas, reservas repetidas ou clientes fiéis a uma cadeia com necessidades simples. Estas situações, de baixo risco e alta frequência, poderão ser o ponto de partida prático que sirva de trampolim para uma adoção mais ampla.
Conclusão
A IA agêntica tem um grande potencial, mas as reservas hoteleiras representam um terreno particularmente complexo. Sem um alinhamento claro no que respeita à confiança, incentivos, serviço e controlo de dados, é difícil que este canal automatizado se torne dominante.
A tecnologia já está quase pronta. O ecossistema, ainda não.
Só com a cooperação entre plataformas, fornecedores e utilizadores poderá a IA agêntica deixar de ser uma promessa interessante para se tornar num novo padrão na distribuição de viagens.
Em breve se verá como evolui. Não deverá demorar muito… por isso, aperte o cinto e desfrute da viagem.